segunda-feira, 30 de março de 2009
SER ESPECIAL
Tem estado na moda dizer-se que Fulano ou "Beltrana" é especial.
Esteve há pouco tempo na moda dizer-se que um treinador de futebol era o Especial.
Há uns anos era o bacalhau com natas que a minha bisavó fazia que era especial.
Que se passou afinal para este adjectivo ser transportado das natas do sublime bacalhau para um imprescindível elemento auxiliar da caracterização de tantas almas, consubstanciando-se na derradeira fase numa antonomásia se bem que fruto de uma tradução à letra que "the special one" não se coibiu de fazer.
Importa uma reflexão "séria q.b." e profunda sobre o significado de se ser especial porque se há algo que não pode cair na banalidade é a especialidade sob pena de o conceito perder o seu efeito útil.
Claro que todos somos especiais, mas por sermos todos especiais desde que concebidos (resultamos de um espermatozóide especialmente rápido, forte e inteligente) até que morremos (com honras de aparecer no jornal, pelo menos na secção de necrologia), há que encontrar nesta panóplia de seres tão semelhantes, aqueles que se distinguem no decurso das suas vidas.
Isto porque ser especial é em primeiro lugar ser diferente.
Atrevo-me a dizer com toda a certeza que ser especial é ser positivamente diferente.
Ha sempre uma conotação positiva na palavra especial e até quando utilizada para situações que poderiam ser menos agradáveis visam suavizar a forma como encaramos o assunto ( ocorre-me o exemplo do ensino especial).
Este conceito fechado e conclusivo de se ser especial, apenas diz respeito a qualidades das pessoas (ah, ela é especial...) e só assim se explica o absurdo de uma discussão com este teor:
- Meu grande cabrão, filho de uma grande p..., urso de m..., paneleiro do c....
- És mesmo especial.
- O quê????Não acredito que disseste isso de mim.Vou ter mesmo de te arrebentar todo.
Curioso, apressei-me a procurar na wikipedia, tábua salvadora de todos os pseudo- escritores deste planeta, a definição de especial, de modo a saber, se a maior enciclopédia do mundo atribuía essa conotação positiva que defendo e constatei que esta ferramenta é especialmente omissa nesta matéria.
Continuando esta tentativa de descobrir o que é ser se especial, deparo-me com uma inevitável questão:
Somos especiais porque simplesmente somos especiais, qual condição inerte e inata que não sai do nosso ser, a qual todos os outros mesmo com baixo nivel de miopia e estigmatismo o conseguem ver ou será que somos especiais apenas aos olhos de certas pessoas e tudo é subjectivo explicando-se assim a razão de sermos especiais para umas pessoas e banais para outras?
Resposta: Ambas as justificativas são plausíveis de garantir a especialidade humana.
Mais!Apenas se é especial quando as duas hipóteses se unem.
Ser especial é antes que tudo sermos nós próprios, porque ninguém é especial a ser o que não é ou a fazer algo para o qual está limitado...
Minto...
Quem tenta ser especial a ser o que não é, é especial...especialmente ridiculo.
Veja-se o exemplificativo caso de Xau Min Hung, o anão chinês que tentou uma carreira na nba, sendo o seu caso apelidado de "anedota do ano" pela cruel imprensa norte americana.
Quem diria que Xau Min Hung seria hoje dos nomes mais respeitados da indústria circense, onde exerce a bonita actividade de "homem bala", Xau conseguiu voar de uma actividade onde era visto como uma ridícula ave rara, para uma outra onde se tornou especial e mesmo uma lenda viva (viva pelo menos enquanto não aumentarem a distância de voo como pretendem fazer este ano) por ter ganho 4 vezes consecutivas o mini canhão de ouro, distinção máxima para quem exerce a sua profissão.
Por isso concluo que ser especial é uma qualidade que têm de ser temporal, ninguém é especial a vida toda.Ha as bestas e os bestiais, há os que foram bestas e hoje são bestiais e há os que bestiais foram e hoje são grandes bestas.
Finalmente, na posse de um dicionário, nada melhor que terminar, transcrevendo a definição que está no dito:
Especial:
do Lat. speciale
adj. 2 gén.,
relativo a uma espécie; próprio; peculiar; característico, particular; exclusivo; privativo; singular; excelente; fora do comum.
Desculpem-me os entendidos na matéria, mas depois de tanto dissertar sobre este assunto, legitimo-me a criticar a a afirmar que só têm necessidade de utilizar tantas palavras para definir "especial" quem nunca provou o bacalhau com natas que a minha bisavó tão bem fazia.
JPC2009
sexta-feira, 27 de março de 2009
Viajar
Pedro Alvares Cabral, nasceu em 1467 e tornou se conhecido por ter descoberto o Brasil, é a ele que devemos o facto de ouvir diariamente aquele sotaque que se no inicio era harmonioso e doce, aos poucos tornou-se irritante ao ponto de nos apetecer gritar para o outro lado do oceano Atlantico "IMPORTAM-SE DE FALAR COMO GENTE NORMAL?".
Para o bem ou para o mal, uma coisa podemos dizer, com ou sem sotaque, que de facto Pedro Alvares Cabral viajou.
Vasco da Gama nasceu em 1469 e ainda no seculo XV zarpou do rio Tejo em direcção à India, a ele devemos todas aquelas especiarias que nos dão mais sabor á vida, mas também aqueles pratos picantes e intragáveis para o nosso sensivel paladar ocidental.
Não sei se depois disso, o navegador Português condimentou adequadamente a sua vida, mas não restam dúvidas que Vasco da Gama viajou.
Fernão de Magalhães nasceu em 1480, atravessou na sua embarcação um estreito que nunca houvera sido transposto e foi o primeiro Europeu a navegar pelo oceano pacifico.
A ele devemos a certeza e o orgulho de que o maior oceano do mundo foi atravessado pela primeira vez por um de nós, mas também lhe devemos horas e horas de musica melancolica na rfm todas as noites.
Seria da mais elementar justiça se Pedro Abrunhosa cantasse um dia que Fernão de Magalhães viajou.
Sacadura Cabral nasceu em 1881, considerado um aviador distintissimo, voou para a Madeira e Moçambique.
A ele devemos o facto de a Madeira se aproximar do Continente tornado-se "ainda mais Portugal", mas também o facto de termos de aterrar aterrorizados num dos aeroportos mais perigosos do mundo.
Com medo ou sem medo, o certo é que Sacadura Cabral viajou.
"Zé Manel", nasceu em 1985, aos 25 anos já conhecia o mundo inteir0...Navegara por sites desonhecidos pelo comum dos mortais, explorara livros, deixara a sua imaginação voar com as centenas de filmes que vira e caminhara pelos lugares mais exóticos de olhos fechados, ao som de musicas reveladoras de longinquos locais.
Conheceu assim mais lugares do que qualquer pessoa que passe a vida a viajar,mas será que poderemos dizer com toda a certeza que, mesmo sendo de uma maneira diferente, o Zé Manel viajou?
Qual navegador dos tempos modernos em que o portatil indica o Norte, o vento determina em que direcção virar as páginas, para que o mp3 chegue a bom porto, sem necessidade de descer à caixa do dvd para remendar um qualquer buraco que um trajecto mal calculado provoque.
Mas Zé Manel não viajou.
Viajar é estar nos sitios, para que se possa dizer que de facto aquilo é como aparece no filme ou então que não têm qualquer correspondência com o que a musica nos diz.
Viajar não é só ver...é cheirar, é saborear, é falar com as pessoas, conhecer a cultura dentro da própria cultura e não como um simples observador.
Viajar é trazer algo de novo para contar, se não for a descoberta de um novo mundo para o mundo em geral, como as personagens já aqui aludidas, que seja uma experiência, um ponto de vista, a descoberta de um novo mundo para alguém em particular.
Viajar é ser assaltado no Rio de Janeiro, é fumar algo estranho em Amsterdão, é tropeçar nas piramides de Chichen Itza, é sentir um arrepio quando se vê in loco a força do olhar de uma mulher árabe com a cara parcialmente coberta.
Porque se para se viajar bastasse ler um livro qualquer, para se estar apaixonado bastaria ler o Romeu e Julieta.
terça-feira, 24 de março de 2009
DESTINO
Ele não acreditava no destino.
A sua vida fora no entanto uma extraordinária sucessão de acontecimentos inexplicáveis:
Complicações no parto ditaram a sorte que durante a sua vida nunca o abandonaria.
Com o seu pequeno pescoço abraçado pelo cordão umbilical, quando cumprimentava pela primeira vez o mundo, ainda hoje ninguém consegue explicar o milagre que aconteceu uns minutos depois do milagre que foi o seu nascimento.
A mãe desmaiara com as dores, e permanecera no soalho de sua casa durante umas infindáveis 8 horas.
Mas ele tinha de nascer naquele momento, porque nascendo um dia depois toda a sua vida teria um designio completamente diferente.
Diz quem o encontrou que ele ali já estava há 2 dias, a mãe que se mãe era fora por vontades alheias, deitada já na cama confirmava:
"Nasceu há dois dias mas mal olhei para ele tamanhas as dores que sinto... Vi que estava morto e deixei-o no sitio".
Mas não estava morto.
Estava "apenas" asfixiado, isto claro, além de indesejado, esquecido e principalmente abençoado.
"Foi como foi e não como tinha de ser" defender-se-ia anos mais tarde quando questionado sobre a sorte que o acompanhara desde o inicio.
Ele não acreditava no destino.
Cresceu, fez-se homem, não sem antes numa noite de itempérie um infeliz acontecimento marcar a vida de quem conhecia o quotidiano da aldeia onde viva.
Brincava com dois amigos, no pátio de sua casa quando dois raios de rajada, aniquilaram os companheiros que se encontravam a menos de dois metros dele.
Todos olhavam para ele como se de um santo se tratasse e quando lhe disseram que estava escrito que ele não iria morrer naquela noite, a sua reacção foi brusca e violenta "Destino?Isso não existe...Foi como foi e não como tinha de ser."
Os avós assustados, entenderam que aquilo era um aviso, e disseram para ele ir para bem longe, porque Deus não avisa três vezes quando as pessoas não ligam aos sinais e não cumprem suas vontades.
Ele foi se embora para uma vila maior e ai ultrapassou as 20 primaveras, sem nunca perceber a benção que era estar ali a festejar os seus milagres da vida.
Era um facto...
Ele não acreditava no destino.
Não acreditava nas forças da natureza, nem na existência de uma ordem natural ditada pelo universo.
Mas acreditou na força do vento e na desordem que este provocou naquele arraial ao qual ele não queria ir.
Foi contrariado e no meio da confusão, começou a discutir com as contas que o vendedor de farturas fizera, pegou num papel do chão e explicou-lhe que a razão estava do seu lado, somando o preço de todos os bens que lhe comprara.
Mas não estava, pois o preço era o correcto.
Guardou o papel e no dia seguinte a lotaria andou à roda e no bolso das suas calças, uma taluda outrora perdida, agora mal achada,transformar-se-ia em milhões.
O dinheiro não lhe subiu à cabeça, nem a ideia que algo cientificamente não explicável acontecera.
Continuava sempre com a mesma convicção...
Ele não acreditava no destino.
Já o destino provavelmente acreditava muito nele, qual cobaia de tantos acasos, cuja singular ocorrencia na vida de um nós se traduziria como o momento mais marcante da nossa existência.
Mas na vida dele era apenas mais um momento.
Um momento que aconteceu, única e simplesmente, porque sim.
"Porque não?".
Esta sua pergunta era retórica pois o dinheiro era dele e se decidiu gastar tudo no jogo, tal tratou-se de uma opção válida como outra qualquer.
Durou meses esta sua dependência, todos os dias de todos os meses ele lá estava desde que a porta abria até que uma voz abafada anunciava o encerrar da casa de jogo, ele e mais 7 jogadores que procuravam ter um centesimo daquilo que ele já tinha.
Mas a depêndencia aumentou e numa noite de total loucura e desvario a metade da sua fortuna que lhe restava esvaiu-se por entre "all-ins" despropositados.
Sozinho e de bolsos vazios pensava..."Então...ninguém me vem agora falar do Destino e da minha boa estrela?".
Nunca veio a saber que no dia seguinte, todos que ali estavam receberam ordem de prisão e foram condenados a 22 anos de prisão pela prática de jogo ilegal e por uma serie de crimes violentos, que apesar de não terem cometido, serviram na perfeição para publicitar mais uma grande vitória da justiça.
Sem dinheiro teve de procurar um emprego e facilmente preencheu uma vaga de comercial de uma grande multinacional.Ai contactou com milhares de pessoas, conheceu gente como nunca antes conhecera, eram tantas pessoas que muitas ficaram seus amigos e eram em numero tão exagerado que nem dessas ele sabia o nome.
Entre tanta gente nova que entrava na sua vida, conheceu com naturalidade a mulher com que casou.
Teve filhos, netos e ainda assistiu ao nascimento de dois bisnetos e um trisneto.
Natural, para quem tanto fintara a morte.
Antes de morrer, dezenas de jornalistas invadiram a sua casa por ocasião do seu centésimo vigésimo terceiro aniversário e foi ai que explicou:
"Recusei-me sempre a acreditar no Destino, porque se acreditasse e agradecesse ao destino por ter conseguido nascer, por ter escapado à morte e por ter ficado milionário, também teria de o culpar por ter perdido a minha mãe, por ter perdido os meus únicos dois amigos de infância e por me ter viciado no jogo sentindo na pele o que é ficar de repente sem nada.
As coisas boas e más, fui eu fiz acontecer, tudo...quase tudo...porque se não fosse a minha luta com horas de vida, eu estar um metro e pouco afastado dos meus amigos e eu ter pegado naquela cautela premiada, nunca teria conhecido a mulher da minha vida e construido esta familia.
Porque aconteceu isto?Fácil amigos, isto só pode ser obra do destino."
E aquele que não acreditava no destino acabou por morrer junto à mulher que amava, numa noite de trovoada, enquanto via na televisão a extração dos números da lotaria.
Ah...morreu asfixiado e abençoado mas quis o destino que jamais fosse indesejado ou esquecido.
JPC 2009
Assinar:
Postagens (Atom)